As possibilidades infinitas<br> do mundo concreto
«Quando uso uma palavra – diz Humptie Dumptie em tom de desprezo - ela significa exactamente o que quero dizer, nem mais, nem menos. A questão - diz Alice - é a de saber o que querem significar tanto as coisas como as palavras»
Os objectos que, por um motivo qualquer, perderam as funcionalidades para que foram inventados e produzidos ficam irremediavelmente condenados ao abandono, ao lixo ou, na melhor das hipóteses, a recuperarem operacionalidade através de um processo de reciclagem que lhes destroi/reconstroi a identidade e não os deixa inactivos, condenando-os a continuar a trabalhar em tarefas por vezes nunca suspeitados por quem os inventou, pelas primeiras mãos que os moldaram e pelas últimas que os utilizaram.
E tudo decorreria pacificamente, oscilando entre essas hipóteses de final previamente esperado e conhecido, se não surgisse um tal João Limpinho, escultor de profissão, que interrompe a seu bel-prazer um ciclo universalmente aceite, por ser incapaz de suster um impulso que o leva a mergulhar na sucata para recuperar de peças inteiras a pequenos elementos quase indiferenciados que irá transformar, por um sistema mais ou menos complexo de agregação, no que nunca supuseram ser, formas humanoides ou animaloides, que são facilmente reconhecíveis nas similitudes que têm com os seus prógonos do mundo real, mas onde continuam a ser perfeitamente identificáveis os objectos que, através de associações por vezes de todo improváveis, contribuem, em maior ou menor grau, para a nova identidade. Sublinhe-se que este exercício de reconhecimento das origens dos objectos é uma reacção quase imediata, um impulso natural no confronto com a forma final. Impulso que contém em si o perigo de se tornar dominante e de se perder nas descrições paródicas se a curiosidade colectora se sobrepuser ao reconhecimento da identidade última, aquela que realmente passa a ser do objecto quando o escultor dá o seu trabalho por terminado. É um risco real que ameaça desde sempre as esculturas de João Limpinho porque essas derivações, que são aliciantes e são provocadas pelas esculturas, podem acabar por perverter o processo de análise, fixando-se nos inúmeros pormenores que cegam o todo, ocultando a escultura e o longo percurso criativo que a produziu para só ver o que desde logo é facilmente identificável e os seus pormenores anedóticos.
Este fazer de João Limpinho é necessariamente precedido por várias construções mentais que o escultor, enquanto os objectos estão ,por assim dizer, «vivos», vai projectando sobre eles, condenando-os em «vida» a uma ressurreição anunciada .Ressurreição que terminará numa reincarnação cuja chave só ele é detentor .
O que traça a fronteira entre nós e o artista é exactamente esta maneira de ver :enquanto nós olhamos para um objecto e o catalogamos por um quadro de referências generalizadamente aceite, o escultor começa imediatamente a ver o que nós não conseguimos ver, na realidade está a vampirizar a identidade dos objectos inventando-lhes diversos futuros possíveis que, provavelmente, nós iremos conhecer/reconhecer mais tarde.
Curiosamente o trabalho que João Limpinho prossegue desde há muitos anos põe em evidência que quando só se vê o que nos é oferecido ao olhar, não se vê o que há para ver ou o que se pode ver. Isto põe em causa o determinismo das classificações universais que se suportam nas semelhanças entre as coisas e não nas imagens mentais que podem originar, ou como teorizou Wittgenstein, que a imagem representa uma possibilidade no mundo real, o que ela representa é a sua significação e a ideia é a imagem lógica dos factos. João Limpinho, de certo modo, acaba por, no universo que lhe interessa e lhe é próximo, trazer para o campo experimental esta teoria só que quando a concretiza vai fixá-la em formas que procuram a sua identificação num quadro de similitudes com a realidade organizada nas já referidas classificações universais de onde as tinha resgatado.
É um trabalho que se inicia no ponto em que os «ready-made» (objectos encontrados) de Marcel Duchamp finalizavam, embora a atitude de limpar a arte da retórica de classe seja a mesma e seja idêntico o questionar a linearidade das leituras do mundo e dos objectos que povoam o mundo.
(Citação: Lewis Carroll, «Alice no País das Maravilhas»)
E tudo decorreria pacificamente, oscilando entre essas hipóteses de final previamente esperado e conhecido, se não surgisse um tal João Limpinho, escultor de profissão, que interrompe a seu bel-prazer um ciclo universalmente aceite, por ser incapaz de suster um impulso que o leva a mergulhar na sucata para recuperar de peças inteiras a pequenos elementos quase indiferenciados que irá transformar, por um sistema mais ou menos complexo de agregação, no que nunca supuseram ser, formas humanoides ou animaloides, que são facilmente reconhecíveis nas similitudes que têm com os seus prógonos do mundo real, mas onde continuam a ser perfeitamente identificáveis os objectos que, através de associações por vezes de todo improváveis, contribuem, em maior ou menor grau, para a nova identidade. Sublinhe-se que este exercício de reconhecimento das origens dos objectos é uma reacção quase imediata, um impulso natural no confronto com a forma final. Impulso que contém em si o perigo de se tornar dominante e de se perder nas descrições paródicas se a curiosidade colectora se sobrepuser ao reconhecimento da identidade última, aquela que realmente passa a ser do objecto quando o escultor dá o seu trabalho por terminado. É um risco real que ameaça desde sempre as esculturas de João Limpinho porque essas derivações, que são aliciantes e são provocadas pelas esculturas, podem acabar por perverter o processo de análise, fixando-se nos inúmeros pormenores que cegam o todo, ocultando a escultura e o longo percurso criativo que a produziu para só ver o que desde logo é facilmente identificável e os seus pormenores anedóticos.
Este fazer de João Limpinho é necessariamente precedido por várias construções mentais que o escultor, enquanto os objectos estão ,por assim dizer, «vivos», vai projectando sobre eles, condenando-os em «vida» a uma ressurreição anunciada .Ressurreição que terminará numa reincarnação cuja chave só ele é detentor .
O que traça a fronteira entre nós e o artista é exactamente esta maneira de ver :enquanto nós olhamos para um objecto e o catalogamos por um quadro de referências generalizadamente aceite, o escultor começa imediatamente a ver o que nós não conseguimos ver, na realidade está a vampirizar a identidade dos objectos inventando-lhes diversos futuros possíveis que, provavelmente, nós iremos conhecer/reconhecer mais tarde.
Curiosamente o trabalho que João Limpinho prossegue desde há muitos anos põe em evidência que quando só se vê o que nos é oferecido ao olhar, não se vê o que há para ver ou o que se pode ver. Isto põe em causa o determinismo das classificações universais que se suportam nas semelhanças entre as coisas e não nas imagens mentais que podem originar, ou como teorizou Wittgenstein, que a imagem representa uma possibilidade no mundo real, o que ela representa é a sua significação e a ideia é a imagem lógica dos factos. João Limpinho, de certo modo, acaba por, no universo que lhe interessa e lhe é próximo, trazer para o campo experimental esta teoria só que quando a concretiza vai fixá-la em formas que procuram a sua identificação num quadro de similitudes com a realidade organizada nas já referidas classificações universais de onde as tinha resgatado.
É um trabalho que se inicia no ponto em que os «ready-made» (objectos encontrados) de Marcel Duchamp finalizavam, embora a atitude de limpar a arte da retórica de classe seja a mesma e seja idêntico o questionar a linearidade das leituras do mundo e dos objectos que povoam o mundo.
(Citação: Lewis Carroll, «Alice no País das Maravilhas»)